domingo, 31 de outubro de 2010

'Passos Coelho vai ser primeiro-ministro só não sabe é quando'

A entrevista com Mota Amaral foi gravada (quinta-feira ao final do dia) ainda antes do acordo a que chegaram o PS e o PSD sobre o Orçamento do Estado, mas as respostas mantêm toda a actualidade, porque este homem, magro e austero, também despe as frases e as ideias de tudo aquilo que é acessório. Nele, a discrição, a educação e a simplicidade estão presentes em todos os movimentos, até no gesto de se despedir individualmente de todos os trabalhadores que deram corpo à entrevista.
Actualmente deputado, ex-presidente do Governo Regional dos Açores durante quase 20 anos, até 1995 (e nessa data o cidadão português com o maior número de anos consecutivos no exercício de um cargo governativo previsto na Constituição), Mota Amaral, um dos fundadores do PPD, agora PSD, e ex-presidente da Assembleia da República, segunda figura do Estado, fala de todos os assuntos sem tabus, até da sua ligação, de 50 anos, ao Opus Dei.
Qual é a sua convicção: vamos ou não ter um Orçamento do Estado viabilizado no Parlamento?
O meu desejo é que tal aconteça e que o Orçamento seja viabilizado, não com o voto favorável do PSD, que efectivamente não pode nunca rever-se nas políticas propostas pelo Governo do PS, mas através da abstenção do maior partido da oposição. Não sei é se isso vai acontecer, porque o modo como as negociações têm corrido, e sobretudo a atitude fechada da parte do Governo nesta negociação, pode colocar em perigo um objectivo estimável, desejável, de interesse nacional.
Mas acredita que neste momento o PSD ainda está a pesar a possibilidade de um voto negativo?
Julgo que sim, a deduzir das declarações feitas até agora pela sua liderança. É certo que Pedro Passos Coelho tem a possibilidade de apresentar as suas diligências com o empenho por minorar os sacrifícios exigidos aos portugueses pela proposta de Orçamento apresentada pelo Governo. E pode vir a declarar que, pondo à frente dos interesses partidários o interesse nacional, viabiliza o Orçamento através da abstenção do partido.
Essa, aliás, foi a posição que defendeu também já há uns dias. Disse publicamente que o PSD deveria abster-se na generalidade e depois discutir na especialidade, ponto por ponto. Se isso acontecer, acha que é possível o PS aceitar governar com um Orçamento definido pela oposição? Se depois na especialidade muito do clausulado do Orçamento do Estado vier a ser rectificado?
O PSD já apresentou as suas propostas e julgo que a aprovação delas, até a aceitação delas, não iria descaracterizar o Orçamento, iria, sim, repito, minorar os sacrifícios pedidos às famílias portuguesas. Agora, a atitude do PS é que tem sido uma atitude fechada. O PS prepara um cenário de ruptura relativamente ao Orçamento. Mas é preciso ver com toda a atenção o que é que dispõe a nossa Constituição nesse domínio. Se o Governo pensa que vai dizer ao País que uma vez que o Orçamento não foi viabilizado ou que eventualmente foi alterado na especialidade se demite... Ele não pode fazer isso! O Governo foi empossado legitimamente, o Governo foi viabilizado na Assembleia da República, foi investido pelo Parlamento, o primeiro-ministro não pode simplesmente sair cantando e rindo pela porta fora como se nada fosse com ele! Tem de assumir as suas responsabilidades e levá-las até ao fim.
Mas poderia apresentar ao Presidente da República a sua vontade de sair.
Sim, e o Presidente da República não devia aceitar esse pedido de demissão. Isso não é assim, não é o Governo que toma por sua iniciativa o desejo de sair e sai. Não, não! Isso tem de ser passado pelo crivo do Presidente da República e se eu fosse o Presidente da República não daria a demissão! Remeteria o Governo ao Parlamento para que apresentasse perante o Parlamento uma moção de confiança. E, adianto mesmo, numa moção de confiança o PSD deve abster-se.
Ter um cavaquista como Eduardo Catroga a negociar o Orçamento foi um sinal de que o Presidente da República esteve atento ao problema e que exerceu a sua magistratura de influência sobre este processo?
A presença do dr. Eduardo Catroga, antigo ministro das Finanças, na liderança da delegação do PSD foi lida pela opinião pública como uma atenção pela parte do PSD à influência do Presidente da República.
E por si?
Por mim também, obviamente. Não significa que o Presidente da República estivesse envolvido nessa negociação, não estaria, com certeza, nem pode estar. A responsabilidade da decisão dessa negociação cabe em exclusivo ao líder do PSD, o dr. Pedro Passos Coelho. E com ele, com certeza, o dr. Eduardo Catroga terá acertado os termos concretos em que iria apresentar as posições do PSD e as cedências possíveis para se encontrar uma plataforma de entendimento com o Governo.
É deputado do PSD, já se percebeu qual é a sua sensibilidade em relação a esta questão, mas o seu sentido de voto será aquele que vier também da orientação da direcção do partido?
Não tenho estados de alma relativamente à aprovação do Orçamento. Sei perfeitamente quais são as regras do jogo no nosso sistema político-partidário, a definição da posição cabe à comissão política nacional e conformarei o meu voto com a orientação estabelecida pela comissão política nacional. Não deixarei de formular a minha declaração de voto se porventura o voto fosse pela negativa, mas mantenho a esperança de que o voto será um voto de abstenção, porque isto poupa ao País mais tempo de incerteza e, sobretudo, amarra o Governo do primeiro-ministro, José Sócrates, às responsabilidades gravíssimas que tem pela situação calamitosa a que conduziu o País.
Para além desse voto, a acontecer nesse sentido, o PSD deve preparar-se desde já para a governação próxima?
Acho que um partido de oposição com aspiração de Governo, como é manifestamente o PSD, a nossa posição não é - no sistema político - servir de muleta ao Governo do PS, é ser a alternativa ao Governo do PS e é preciso que os portugueses vejam o PSD neste registo. Por isso, o PSD deve estar sempre preparado para apresentar as suas alternativas e eventualmente, se para isso for mandatado pelos portugueses, assumir as responsabilidades da governação.
Mas, a acreditar na fiabilidade dos últimos estudos de opinião, o PSD está muito perto disto: esta semana foram conhecidas duas sondagens, uma da Universidade Católica para o DN, JN, RTP e Antena 1, e outra da Marktest para a TSF e Diário Económico, e ambas colocam o PSD entre os 40% e os 42% e o PS entre os 25% e 26%, que, aliás, é dos mais baixos números de sempre. Esse movimento da opinião pública está a acontecer. Acha que esta legislatura pode chegar ao fim com o sentir dos portugueses a manifestar-se desta forma?
Há aqui que examinar o nosso quadro político e constitucional. Já o disse, o Governo foi investido, é um Governo legítimo. Foi investido pelo Presidente da República, foi investido pelo Parlamento, ganhou as eleições de 2009.
Mas governa de forma minoritária...
Governa mal de forma minoritária, porque um Governo que não tem maioria no Parlamento tem de se habituar a negociar no Parlamento a viabilização das suas leis mais importantes, nomeadamente a do Orçamento do Estado. E, acerca desse ponto, é preciso sempre sublinhar que a responsabilidade de que o Estado e o País tenham um Orçamento cabe ao Governo e ao partido que o apoia, antes de mais nada, e não aos partidos da oposição. Acho que tem havido aqui uma tentativa de inverter o ónus desta responsabilidade, mas é claríssimo que é o Governo e o PS que têm de diligenciar de todas as maneiras e feitios para conseguir que haja um Orçamento viabilizado no Parlamento e que esse Orçamento corresponda às necessidades do País.
Voltando à apreciação das sondagens.
Essas sondagens...
... Levam o PSD a preparar-se mais aceleradamente para a possibilidade de esta legislatura não chegar ao fim e ser chamado à governação mais cedo?
A possibilidade de esta legislatura não chegar ao fim existe. O PSD deve estar preparado para, na altura própria, haver eleições. Mas, atenção, o PSD respeita o funcionamento da nossa democracia e, portanto, não vai com certeza desestabilizar o nosso sistema político. Se, porventura, o Governo estiver a governar mal, é natural que o PSD apresente uma moção de censura, aliás, isso já foi dito por Pedro Passos Coelho. E, se assim acontecer, a responsabilidade passa para o Parlamento, de julgar se há ou não melhores oportunidades de governabilidade do País com outra fórmula de Governo. Na realidade, se porventura uma moção de censura do PSD não passar no Parlamento, eu tenho certas dúvidas de que venha a passar, a chave da continuidade desta legislatura está na mão do presidente da República que venha a ser eleito nas eleições marcadas para 23 de Janeiro. O senhor presidente da República é que pode dissolver o Parlamento. Mas se porventura Cavaco Silva vier a ser reeleito, não tenho qualquer dúvida de que só dissolverá o Parlamento quando houver sinais claros de que o povo português pretende uma solução diferente e com melhores condições de governabilidade que aquela que neste momento existe. As sondagens destes últimos dias dão um sinal que não pode de forma alguma ser desprezado por nenhuma das partes, nomeadamente deviam ser consideradas pelo Governo e pelo PS, tendo em conta a viabilização do Orçamento.
Nas últimas eleições internas do PSD apoiou José Pedro Aguiar-Branco. Como é que avalia hoje a actuação política de Pedro Passos Coelho?
Pedro Passos Coelho começou bem, criou óptimas expectativas. Teve alguns momentos, quanto a mim, menos felizes, nomeadamente o modo como foi apresentada a questão da revisão constitucional. Mas não há dúvida de que - tiro-lhe aí o chapéu à sua intuição política - o modo como conduziu o partido nestes últimos tempos relativamente à questão do Orçamento o prestigiaram perante a opinião pública e reforçaram a sua posição. Os sinais que podem retirar-se, pelo menos de estudos fiáveis da opinião pública, são-lhe favoráveis.
Vê-o como um potencial bom primeiro-ministro de Portugal?
Sobre esse ponto não tenho qualquer dúvida. E julgo que ele poderá dizer, como disse Durão Barroso, que tem a certeza de que vai ser primeiro-ministro, não sabe é quando. Mas, de repente, pode acontecer até que seja mais breve do que se julga.
Que olhar tem sobre a candidatura do actual Presidente da República, o professor Cavaco Silva?
De apoio entusiástico. Acho que Portugal precisa de Aníbal Cavaco Silva por mais cinco anos à frente da Presidência da República como referencial de estabilidade, como uma pessoa de honestidade a toda a prova cuja sabedoria é indispensável para ajudar o nosso país a ultrapassar a crise em que se encontra e arrancar pelos caminhos do futuro. Apoio Aníbal Cavaco Silva nesta campanha eleitoral, como já apoiei na anterior, e espero que ele venha a obter uma boa vitória para continuar o seu serviço a Portugal. Julgo, de resto, que um dos maiores erros do primeiro-ministro, José Sócrates, foi não ter querido aceitar a oferta generosa, patriótica, de cooperação estratégica que lhe foi feita no início do mandato pelo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Tem mantido contactos regulares com o Presidente da República ao longo destes cinco anos?
Regulares, espaçados. Até pelo exercício de funções que com muita honra para mim ele me confiou, tendo a oportunidade de conversar com ele e de apreciar, também como deputado da oposição e como cidadão, o modo como ele tem desempenhado as suas funções de Presidente da República.
Até há pouco tempo falava-se na possibilidade do aparecimento de uma candidatura à direita, que acabou por não se verificar. Acha que isso não aconteceu porque houve entendimentos de bastidores porque tal podia vir a fragilizar as possibilidades de êxito da candidatura do professor Cavaco Silva?
É óbvio que uma candidatura apresentada à direita da do professor Cavaco Silva, que não é manifestamente uma candidatura à direita, ele sempre se situou no centro - e muitas vezes foi acusado de ser defensor de posições muito ao centro-esquerda, é preciso recordar isso do historial da sua governação -, foi apenas uma fantasia que não tinha qualquer viabilidade, mas que poderia vir a prejudicar o resultado eleitoral. Em boa hora, as pessoas que se movimentaram nessa área ou que se apresentaram ou que foram indicadas como putativos candidatos desistiram de tal. E hoje as forças políticas representativas desta área de direita e centro-direita manifestaram-se claramente a favor da candidatura do professor Cavaco Silva.
Admite o cenário de o professor Cavaco Silva não ganhar à primeira volta?
Julgo que ele vai ganhar à primeira volta, as condições estão para isto. Não equaciono a necessidade de uma segunda volta, seria prolongar os factores de incerteza. E julgo que neste momento o País precisa... A confirmação do professor Cavaco Silva como Presidente da República é um elemento importante de clarificação da situação política.
Manuel Alegre não o seria?
Manuel Alegre é uma pessoa estimabilíssima, sou amigo dele, tenho uma grande admiração por ele. Mas, na fase actual, julgo que não. O sinal que representaria a eleição de Manuel Alegre seria a maioria à esquerda, é claríssimo. Ele é apoiado pelo PS e pelo BE, até pelo BE antes de ser pelo PS, e o seu percurso político é todo nesta área. Ora já se verificou que não é por aí que vêm as soluções capazes para os problemas do País no enquadramento estratégico em que nos encontramos, como país membro da União Europeia.




Sem comentários:

Enviar um comentário