domingo, 20 de fevereiro de 2011

Sociólogo acordou demasiado tarde - António Barreto: "Fomos enganados durante 6 anos"

Sociólogo diz que Sócrates, o PS e o Governo perderam o crédito
Correio da Manhã - É capaz de se pôr no papel de José Sócrates?
António Barreto - Posso tentar-me pôr ficticiamente no cargo dele, no papel dele não.
- O que acha que Sócrates vai fazer nos próximos tempos?
- O que ele vai fazer é resistir, resistir, resistir o mais tempo possível - e vai esperar por um momento adequado, primeiro para fazer uma remodelação e segundo para se submeter a eleições quando for mais conveniente. Na reunião do PS com os independentes a designação genérica é sintomática: ‘Defender Portugal. Vai dizer aos socialistas e ao mundo que Portugal está a ser atacado, que temos inimigos, que são os financeiros, a banca, a União Europeia, a senhora Merkel. Este ano estamos a perder a mais importante fatia de soberania dos últimos anos. Isto está à beira do protectorado. A amplitude de liberdade de decisão dos portugueses é muito curta.
- Sócrates está aliado...
- Ele quer dizer que o que vai ser feito de difícil em Portugal é contra a vontade e que ele está do lado do povo. Isto é típico', e é um bocado primitivo, mas é assim.
- Como é que define os portugueses? Ao contrário dos gregos ou dos irlandeses, não contestam...
- Estou convencido de que nos próximos dez anos vamos ter movimentações fortes, duras, não sei se convulsões sociais ou agitação social.
- Mas não tem acontecido isso e o português tem sido fustigado com medidas muito duras...

- Não há muito tempo. Começou a doer há três, quatro anos. Espere mais um bocadinho... Sabe que os portugueses viveram trinta anos absolutamente extraordinários e isso não provoca nem convulsões nem protestos...
- Sim, mas com uma grande diferença em relação aos europeus...
- Temos três ou quatro anos de uma situação difícil, que começou a doer, que começou a fazer mal, vamos ver o que vem a seguir.
- Até agora não se passou nada...
- Os desempregados portugueses andam à procura de emprego. Andam à procura de pão para os filhos, ou de tecto para dormir, de água em casa. Sobra a emigração, que recomeçou muito forte.
- O Governo actual tem capacidade para aplicar as medidas e as reformas necessárias?
- O Governo actual nem pouco mais ou menos. As pessoas não têm confiança neles, no PS ou no Governo. Foram perdendo confiança.
- O Presidente da República devia fazer alguma coisa?

- Não pode, não tem poderes para isso. Por um lado, ele não quer, foi o que nos disse até agora.
- Mas o que se pode esperar dele?
- Eu não espero nada, mas gostaria que fosse mais seco e mais duro e mais directo com o Governo e alertasse em público, que o povo fosse testemunha das relações entre o Governo e o Presidente da República. Se o veto do decreto do Governo, porque é a primeira vez que ele faz isso, quer dizer que este é o novo estilo, há qualquer coisa que vou olhar com interesse. Porque é o órgão de soberania que tem mais legitimidade em Portugal...
- A Presidência da República?
- Tem uma legitimidade fresca, porque a legitimidade também se gasta. E tem um enorme capital, que é o voto do povo. Com o povo como testemunha - insisto nisso - é através de declarações públicas, actos, idas ao Parlamento, mensagens ao Parlamento, dizendo o que se quer e o que se pretende.
- A Oposição conhece a situação em que Portugal está realmente, os números verdadeiros? Os portugueses sabem?
- Agora sabemos. Depois de seis anos de mentira, sabemos. Agora, sabe-se mesmo. Os preços a subir 10, 15, 20, 30%, os vencimentos a descer 2, 3, 5, 10, 15%. A opinião pública foi severamente enganada. Fomos enganados durante seis anos. Foi-nos anunciado que havia dinheiro para o aeroporto, para o TGV, para as obras públicas, para novos empregos, empresas, para fomentar a exportação. Até havia dinheiro para pagar os bebés...
- Era ano de eleições...

- Lamento. Eu sei isso, mas não me conformo. É pena que seja assim, a mentira é a moeda política corrente em Portugal. A unidade de conta política em Portugal é o engano e a mentira e a ocultação. Eu tenho pena disso, como tenho pena de que haja corrupção e favoritismo em permanência na vida política portuguesa.
- O que se pode fazer?
- Aflige-me que não haja uma resposta, um protesto mais organizado, que não haja um ou dois partidos políticos novos, que viriam refrescar o panorama. Os partidos que temos hoje no Parlamento não estão à altura da crise, não estão à altura sequer de poder negociar entre eles, estão demasiado crispados, demasiado envolvidos e cúmplices.
- Estamos condenados ao fracasso, como país independente?
- Portugal é um caso extraordinário de resiliência, de resistência, ao longo de séculos. Por outro lado, é verdade que agora estamos a integrar airosamente um estatuto de menoridade, de subalternidade na Europa. Há uma espécie de fiasco ou de fracasso dos últimos anos e dos próximos, porque isto não se reverte em dois anos ou três. O que se vai passar daqui a 10 ou 20 anos não faço a mínima ideia, nem ninguém sabe. Nos últimos anos, Portugal foi colocado numa grande alhada. Portugal fracassou.
PERFIL
António Barreto, sociólogo, nasceu no Porto em 1942 e é presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Estudou Direito em Coimbra até 1963, ano em que foi para a Suíça. Licenciou-se em Sociologia na Universidade de Genebra, em 1968, onde voltaria para se doutorar. Foi ministro da Agricultura de Mário Soares, entre outros cargos políticos.
Portugal faces strain in economic revolution
 
Best of socrates (2009 - 2010)

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