domingo, 17 de janeiro de 2010

Portugal, Brasil e o "feudo" dos médicos  


1. “A MINHA PÁTRIA É A LÍNGUA PORTUGUESA” (Fernando Pessoa)
Senti “ao vivo” aquela clarividente frase nos 3 meses que acabo de passar no Brasil. Desta vez fui a São Paulo, ao Rio, a Goiânia e a Fortaleza, com uma especial atenção ao interior Nordestino. Convivi com muitos brasileiros e senti-me feliz quando ouvi de um homem simples que “no Brasil os Portugueses não são estrangeiros, são Portugueses!”.
Já em Portugal, senti vergonha, por causa da “Ordem dos Médicos” e das suas extensões nas Faculdades de Medicina, que continuam a ser só 5 (2 em Lisboa, 2 no Porto e 1 em Coimbra, todas públicas).
Na crítica que se segue não incluo evidentemente todos os médicos, mas aqueles que costumamos designar por “barões” da medicina.

2. O “FEUDO” DOS “BARÕES” DA MEDICINA
Sabemos como se chegou à tremenda falta de médicos, especialmente no interior do país: por “imposição” dos médicos dirigentes, só entram para as faculdades quem tiver média de 19 valores, isto é, só cerca de 2 centenas de alunos entram por ano e aos restantes, se tiverem dinheiro, restam-lhes as faculdades de medicina espanholas de Badajoz, Madrid e Salamanca…
Gostava de saber o que se espera para se abrirem Faculdades de Medicina no interior, públicas ou privadas, por exemplo em: Bragança, Viseu, Guarda, Portalegre, Beja e Tavira.
Entretanto, cada vez há mais falta de médicos, o que é gritante nalgumas especialidades e o governo até teve recentemente de contratar 44 cubanos, naturalmente com a oposição da Ordem dos Médicos, que ninguém põe na “ordem”… e que contrasta com as associações de outras profissões, como, por exemplo, a dos Advogados, pois não conheço qualquer entrave de maior a que um advogado brasileiro exerça em Portugal.

3. CONTRASTE BRASIL - PORTUGAL
Desconheço qualquer entrave de maior a que um português exerça no Brasil a sua profissão. Mas, no campo da medicina, confirmei agora que se algum médico brasileiro quiser voluntariamente cá trabalhar, terá à sua frente uma série de “medidas” dissuasoras, bem urdidas pelos tais “barões”, que detestam “concorrência”, naturalmente para continuarem a não dividir o “bolo”.
Vi a “descontracção” da nossa Ordem dos Médicos, ao dizer a uma médica estrangeira que só pode exercer se uma Faculdade de Medicina portuguesa lhe reconhecer o curso e só depois um Conselho qualquer decidirá, podendo fazer exigências suplementares. Após, presenciei como a Universidade Nova de Lisboa recusa liminarmente reconhecer um curso tirado numa Universidade privada, sob pretexto de que é uma Universidade pública, mesmo que assim viole o princípio constitucional da não discriminação. Depois, testemunhei que na Universidade de Coimbra se exige a uma médica brasileira, com 36 anos de profissão, que faça uma prova médica e, pasmem a desfaçatez, preste provas de português!

4. O “ DESABAFO” DE UMA MÉDICA BRASILEIRA
Naturalmente que a referida médica ficou siderada e, por isso, decidiu expor o caso ao Governo Brasileiro, tendo-me facultado cópia, que passo a transcrever em grande parte, para que vejam o que ela sente:
“… Estive em algumas universidades aqui de Portugal para poder obter equivalência de meus créditos universitários e do conteúdo programático de meu curso...
Essa tarefa tem sido difícil pois tenho sentido por parte dos portugueses responsáveis por isso pouca receptividade e até mesmo uma repulsa irónica que me surpreendeu bastante. Afinal, pensei que nossos “descobridores” e ”irmãos” não tivessem tanta dificuldade em reconhecer aqueles que graças a eles, falam a mesma língua, têm o mesmo aspecto físico e as mesmas dificuldades, tanto políticas como sociais. Incrível, mas até nisso estamos próximos!!!
Contando com isso e estando junto a um cidadão português fui até á Faculdade de Medicina da Universidade Nova de Lisboa e, de cara, senti o gosto amargo de uma discriminação que fere os direitos de cidadania em qualquer Pais que é o de não ser discriminado. Neste caso, por haver cursado uma faculdade privada.
No Brasil sabemos que os que tem possibilidades de custear seus estudos e se não quiserem perder tempo com vários vestibulares até chegarem a uma universidade federal, devem sim estudar às custas dos pais ou às próprias deixando as vagas públicas para os que tem menos possibilidades chegarem, igualmente, às cadeiras de um curso superior e terem chances de progredirem. Não foi isso que senti aqui. Fui banida por haver pago meu curso e estudado muito em uma faculdade pequena e nova, naquela época, concluindo um curso difícil que me possibilitou chegar aos dias de hoje sem ter tido nenhuma advertência, sem os dissabores por não haver resolvido os problemas de forma adequada e com a competência devida.
Tentei então a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, para saber se a discriminação era só por conta de uma política inadequada da primeira universidade. Nesta pude ver outra forma de discriminação com um profissional Brasileiro e, pasmem, quando disseram, após alusão a uma prova de medicina geral com direito até a ser arguida em cirurgia geral, que não é minha especialidade, que deveria, inclusive, fazer prova de português. Quase caí dura ao ouvir a justificativa: ”os guineenses falam e escrevem mal o português”. Vejam, já somos comparados à Guiné-Bissau!...”
Enquanto faltarem médicos em Portugal, o que se deve fazer quanto a médicos estrangeiros, designadamente brasileiros? - Jorge da Paz Rodrigues

1 comentário:

  1. Caro Sr. António Dias da Costa,

    Sou a médica em questão e fico muito agradecida em perceber que não estou só.

    Acabo de ouvir também as palavras de Rui Barbosa, homem que orgulha muito meu País e que é tão atual... Em seu discurso fala, entre outras coisas, das preocupações com o “EU”. Parece que é no que pensam meus colegas portugueses.

    Vejo diariamente o que dizem os repórteres daqui e o que dizem alguns políticos quando se referem à saúde, mas, parece que essa voz não chega a seus ouvidos e, deixam à margem a população tão carente de cuidados.

    Não creio que estejamos vendo uma classe que é “ditada pelo orgulho e vaidade”. Certamente são os que têm a força política a seu lado.
    Não cabe em nosso juramento ver pessoas sofrendo e relegá-las em favor da preservação do conforto e da tranquilidade além do progresso singular.

    Quando vi a imagem de nossas bandeiras juntas ganhei alma nova. Sempre vi meus dois Países de mãos dadas, tão unidos que se poderia imaginar uma única bandeira com as cores de nossas bandeiras numa demonstração de respeito aos antepassados e de coragem para, juntos, melhorarmos nossas comunidades.

    Jamais desanimarei, tenho todos os motivos do mundo para estar aqui sem pesar a ninguém e podendo contribuir para o conforto dos olhos dos portugueses.

    Deborah Marcondes

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